Por Paulo Brack - Especial*
Nos últimos dias estamos assistindo uma infeliz e inédita cruzada anti-natureza e contra o Código Florestal brasileiro pela Band, fazendo coro, principalmente, à CNA (Confederação Nacional da Agricultura), à bancada ruralista no Congresso e ao Ministro R. Stephanes. A campanha intensa desta empresa de comunicação se dá por meio de vinhetas com dramatização calculada e por opiniões pré-concebidas, que somente mostram os alegados problemas decorrentes da exigência do cumprimento da legislação ambiental brasileira, no campo.
O alvo da campanha é claro: a flexibilização permissiva na legislação de proteção à biodiversidade e às condições de água (rios, nascentes, etc.) e solo (proteção do solo contra a erosão e avalanches, etc.), a fim de manter a produção imediatista da agricultura de exportação, baseada nas monoculturas, onde os problemas de sustentabilidade se avolumam. Trata-se de um apelo fácil a uma questão complexa que deveria envolver outros atores da agricultura agrobiodiversa e de especialistas não comprometidos necessariamente com o velho produtivismo insustentável.
Desta maneira, a emissora acaba incitando a desobediência ao Código Florestal e fortalecendo a estigmatização dos órgãos de Meio Ambiente e dos ambientalistas. Esse sentimento de antipatia aos que querem a proteção da natureza pode, inclusive, trazer conseqüências de hostilidade violenta a fiscais e ecologistas, situação não rara no País. Se houvesse alguma agressão física a algum fiscal, depois desta campanha, a empresa se comprometeria pelos danos?
Descumprir a lei para uns pode e para outros não?
O curioso, em relação à Band, é que frequentemente a mesma empresa também desencadeia algumas outras campanhas melodramáticas contra rádios piratas e contra invasões de propriedades rurais por alguns pobres sem terra, classificando todos estes que descumprem as leis como criminosos. Tudo bem, mas o abuso absurdo dos meios de comunicação, no “vale tudo”, do apelo e do sensacionalismo desinformante, das oligarquias midiáticas, e a desumana concentração de terras no Brasil (1% detendo 40% das terras no país), ninguém fala? Então como é que fica? Quem julga o que é ou não crime agora é a imprensa? Por outro lado, não será também crime a incitação ao descumprimento da lei por parte de empresas que detêm a concessão pública de informar?
Parte da mídia brasileira não sofreria de autismo ambiental?
No Sul do Brasil, a seca dos últimos anos, no início do outono, no RS, SC e Argentina é inédita e tem como causa muito provável o desmatamento da Amazônia. Philip Fearnside, do INPA, um ecólogo de renome internacional, admite que cerca de 1/3 das chuvas que caem no Sul são provenientes da evapotranspiração da Amazônia. Com a eventual redução da Reserva Legal naquela região, de 80% - a qual raramente é cumprida - para 50% ou menos, quem duvida que não vamos aumentar as secas no sul do Brasil?
Uma das situações que a Band também não fala é que, por exemplo, no Paraná, milhares de pequenos agricultores estão defendendo e implantando as APPs (Áreas de preservação Permanente) e as Reservas Legais (RL), pois constataram que tal prática protege realmente as nascentes, os banhados e os rios. O chamado “efeito esponja”, da vegetação natural, trouxe de volta a água, elemento cada vez mais raro, pois o solo brasileiro está ficando condenado à compactação e à seca pelas pesadas máquinas da “moderna” agricultura industrial e pela ausência de vegetação natural.
Os desastres ambientais, decorrentes da destruição de nascentes, da erosão de margens de cursos dágua, e do assoreamento de rios, estão ocorrendo de forma descontrolada, em parte pelo descumprimento do Código Florestal. Será que a Band sabe que no Brasil, muito pouco se cumpre das leis ambientais?
Inclusive, a Anvisa constatou, recentemente (www.ecoagencia.com.br) que vários agrotóxicos não permitidos, também banidos em diversas partes do mundo, foram encontrados "em todas as culturas analisadas"! Ingredientes irregulares e altamente tóxicos "foram encontrados de forma irregular nas culturas de abacaxi, alface, arroz, batata, cebola, cenoura, laranja, mamão, morango, pimentão, repolho, tomate e uva". É bom lembrar, também, o que ocorreu em 2003 com a entrada no RS de soja transgênica contrabandeada da Argentina. Este crime a Band não destacou. A partir daí, quem garante que a própria redução das APPs e da RL serão cumpridas?
Brasil, um país que pode conviver com as florestas, mantendo alimentos limpos, renda para todos e muita sustentabilidade
Outra questão importante, provavelmente desconhecida dos promotores desta campanha infeliz, é que, no Brasil, um percentual entre 10% a 20%, das 50 mil plantas nativas pertence a vegetais com alguma parte alimentícia. Nossas espécies poderiam ser muito mais utilizadas, de forma sustentável, mantendo as florestas e demais ecossistemas naturais sem a convencional supressão imposta pelas monoculturas. Temos no Brasil o caju, a castanha-do-pará, o açaí a juçara, a pupunha, o pinhão, a mandioca (em desaparecimento), o abacaxi (que cresce muito bem nas florestas), a ora-pro-nobis, a pitanga, a guabiroba, o butiá, e outras milhares de plantas consumidas e manejadas pelos indígenas, caboclos e pequenos agricultores.
Nossas plantas renderiam muito mais dividendos que somente o atual incremento em grãos, celulose e outros produtos com baixo valor agregado (commodities) que fazem parte do grosso da exportação brasileira. Ademais, nossos solos tropicais têm vocação predominantemente florestal. Isso a Band não fala. Provavelmente, tal fato incomode seus patrocinadores - empresas pesadas de insumos e maquinaria da obsolescência planejada - que vivem da dependência do agricultor às monoculturas.
Por favor, Sr. Joelmir Beting, sua carranca contra o Meio Ambiente está muito feia! (http://treesforever.blogspot.com/)
Mas, por sorte, nossa alegria provém de que no Brasil temos entre 5 e 10 mil espécies alimentícias, a maior parte em florestas. Veja a foto alegre deste agricultor (em anexo) que semeia a agrobiodiversidade e florestas (banana, juçara, abacaxi, etc.) e vive muito bem, obrigado, agregando valor a seus produtos.
Vamos ser mais inteligentes?
*Paulo Brack é professor da Ufrgs, doutor em Ecologia, membro do Conselho Estadual do Meio Ambiente-RS pelo Ingá e ex-membro da CTNBio (2006-2008), indicado pelas organizações sociais na área ambiental (FBOMS).
Foto: Agricultores de Morrinhos do Sul, RS, e uma pequena propriedade com mais de 80 culturas e muita floresta: A compatibilização é possível. É só acreditarmos nesta saída sustentável para o país.
Na página da Band há um espaço para o leitor escrever sua opinião
Nenhum comentário:
Postar um comentário